“EU TENHO TANTO A LHE FALAR, MAS COM
PALAVRAS NÃO SEI DIZER”:
O TRABALHO COM PRODUÇÃO TEXTUAL NAS
TURMAS DE EJA
Juliene Kely Zanardi
julienezanardi@yahoo.com.br
Trabalhar produção
textual em turmas de Educação para Jovens e Adultos é um desafio para qualquer
professor.
Diversos fatores
contribuem para que os alunos tenham uma série de dificuldades na execução da
tarefa, tais como:
Ø a
frustração por não saber como começar ou o que escrever,
Ø a
insegurança oriunda da falta de prática,
Ø a dificuldade motora,
Ø o cansaço causado pelo acúmulo de atividades
fora e dentro da escola etc.
Gênero discursivo relato pessoal, como sugestão de
trabalho de produção textual .
• Para
realizar tal tarefa, partiremos da nossa própria prática em sala de aula, tendo
como embasamento teórico os pressupostos pedagógicos de Paulo Freire e os
lingüísticos de Bakhtin.
Este artigo se dividi
em três seções.
• Num
primeiro momento, esclarece qual é conceito de gênero discursivo com o qual
pode se trabalhar.
• Posteriormente,
a justificativa sobre as razões que faz
eleger o gênero relato pessoal como proposta de trabalho.
• Por
fim, apresentação de sugestões de como trabalhar com esse gênero em sala de
aula.
Gêneros do discurso: algumas considerações
Segundo Bakhtin, a utilização
da língua processa-se na forma de “enunciados (orais e escritos), concretos e
únicos”. Esses enunciados se relacionam com as diversas esferas da atividade
humana (jornalística, publicitária, jurídica, literária etc.), refletindo as
condições específicas e as finalidades de cada uma delas, sendo composto por
três elementos:
• conteúdo temático,
• estilo
verbal (“seleção operada nos recursos da língua”)
• construção
composicional.
Esses elementos são
marcados pelas especificidades da esfera de comunicação a que o enunciado se
relaciona.
Por que trabalhar com o
gênero relato pessoal?
Bonai e Thiers (2006),
a relação entre os alunos de turmas de EJA e a escrita é marcada por
sentimentos antagônicos. Concomitantemente ao prazer e à satisfação de escrever,
a produção textual gera nesses alunos “sentimentos de frustração e de
impotência”, relacionados principalmente à falta de domínio das “regras
gramaticais” e à “falta de idéias para a construção de um texto”. Ainda de
acordo com as pesquisadoras, essas e outras dificuldades podem levar os alunos
a um sentimento de aversão e afastamento frente a atividades que envolvam a
escrita.
Paulo Freire (2004, p.
23), é um saber necessário à formação docente a compreensão de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Oliveira (2010), há diferentes níveis de
formalidade nos usos oral e escrito da língua,
no português do Brasil: o ultraformal, o formal, o semiformal e o
informal.
No ambiente escolar cabe a ênfase à
língua-padrão. No entanto, o estudante não chega à escola dominando-a e o
processo de aquisição desse tipo de registro é gradativo, sendo o próprio
trabalho de produção textual uma ferramenta para tal.
Considerando isso e as dificuldades inerentes
ao público do EJA, um bom trabalho de produção textual deveria partir de
gêneros em que o nível de formalidade exigido é menor, como é o caso do gênero
relato pessoal. Somente à medida que o aluno for se familiarizando com o registro
padrão é que se deverá eleger gêneros discursivos que exijam um maior nível
formalidade. Tendo posse desse conhecimento, o aluno se sentiria mais seguro no
momento da produção textual e o sentimento de frustração e impotência
constatado por Bonai e Thiers poderia ser diminuído.
A falta de idéias para a construção de um texto
Oliveira (2004, p. 190) defende que o problema
esteja, na verdade, relacionado ao método didático adotado, o cerne do problema
está no uso de temas descontextualizados, dado que em “situações reais de
comunicação – oral ou escrita – as pessoas nunca padecem de falta de idéias”.
Quanto maior a correlação entre o tema
proposto para a produção de um texto e o mundo real, mais facilidade o aluno
terá para executar a tarefa. Nesse sentido, o gênero relato pessoal é um ótimo
ponto de partida, visto que propicia ao aluno um espaço para escrever sobre
suas próprias experiências. Além disso, é notória a necessidade que os alunos
do EJA sentem de falar sobre si mesmos, suas vivências, aspirações, frustrações
etc.
Por que não utilizar uma proposta de trabalho
com a escrita que contemple essa necessidade real de comunicação dos alunos?
Paulo Freire (2004, p. 30), é importante que os educadores saibam
aproveitar no processo de ensino-aprendizagem a experiência que os alunos
constroem socialmente na prática comunitária.
Ao tratar do tema da alfabetização, por
exemplo, o educador defende a criação de um programa que parta do “universo
vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus
anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos” (FREIRE,
2005, p. 20).
Ao longo de toda a sua obra, Freire defende um
processo de ensino que parta da experiência existencial dos alunos. Para ele,
não há uma ruptura entre o saber nascido da pura experiência – “curiosidade
ingênua” – e aquele que resulta de procedimentos metodicamente rigorosos –
“curiosidade epistemológica” (FREIRE, 2004, p. 31). Segundo Freire, o movimento é de superação: à medida que a
curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, “se criticiza”, torna-se
curiosidade epistemológica.
Principal vantagem no uso do gênero relato pessoal
É o acesso que ele nos oferece ao universo dos
alunos: seus anseios, alegrias, frustrações etc. A experiência com essa
proposta demonstrou que, muitas vezes, os alunos elegem narrar episódios
significativos de suas vidas, que se tornam uma importante ferramenta para que
o professor conheça melhor o público discente e possa, assim, criar estratégias
mais eficazes para que haja uma aprendizagem significativa.
Paulo Freire, afirma que “O que importa, na
formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a
compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a
ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando a
coragem. (FREIRE, 2004, p. 45)
Sugestões para o trabalho com o gênero relato pessoal
Fundamental iniciar o trabalho com a leitura
de textos que se manifestem nesse gênero. Para um trabalho mais proveitoso, é
aconselhável a leitura não de um, mas de vários textos dentro do gênero
proposto.
A partir da leitura dos textos selecionados,
propõe-se a criação de tarefas que visem a levar o aluno a perceber as
características centrais do gênero, considerando aspectos como conteúdo, forma,
propósito comunicativo, nível de formalidade lingüística etc.
Na prática em sala de aula, percebe-se que
promover um espaço para a leitura oral e o debate dos textos mostrou-se uma
importante ferramenta nesse sentido.
Considerando esse sentimento inicial de
aversão à escrita por parte dos alunos e a própria recomendação dos PCNs em
relação a um trabalho pautado nos gêneros orais e escritos, se crê que partir
de tarefas que envolvam a oralidade seja um ótimo caminho para o trabalho com a
produção textual no EJA.
Sugestões para o trabalho com o gênero relato pessoal
Fundamental iniciar o trabalho com a leitura
de textos que se manifestem nesse gênero. Para um trabalho mais proveitoso, é
aconselhável a leitura não de um, mas de vários textos dentro do gênero
proposto.
A partir da leitura dos textos selecionados,
propõe-se a criação de tarefas que visem a levar o aluno a perceber as
características centrais do gênero, considerando aspectos como conteúdo, forma,
propósito comunicativo, nível de formalidade lingüística etc.
Na prática em sala de aula, percebe-se que
promover um espaço para a leitura oral e o debate dos textos mostrou-se uma
importante ferramenta nesse sentido.
Considerando esse sentimento inicial de
aversão à escrita por parte dos alunos e a própria recomendação dos PCNs em
relação a um trabalho pautado nos gêneros orais e escritos, se crê que partir
de tarefas que envolvam a oralidade seja um ótimo caminho para o trabalho com a
produção textual no EJA.
A funcionalidade dos textos produzidos em sala de aula
Apesar de todo trabalho desenvolvido até essa
etapa, a produção de textos escritos pelos alunos não é o ponto de chegada da
nossa proposta. Ao contrário, ela dá início a uma nova etapa de trabalho, que
cremos ser extremamente rica e profícua. Segundo nossa proposta, os textos
produzidos pelos alunos devem funcionar como uma ferramenta para que o
professor consiga detectar as principais dificuldades dos alunos no que tange
ao uso da língua escrita e possa trabalhar em cima delas.
Como e quando interferir no comportamento
lingüístico do aluno
Segundo Oliveira (2010), há duas categorias
principais de erro: uma de caráter relativo e a outra de caráter absoluto.
No
primeiro caso, o erro não decorre de um problema intrínseco da palavra ou
seqüência de palavras empregada, mas sim de uma inadequação em relação à
situação em que tenha sido utilizada.
No segundo caso, a palavra ou seqüência de
palavras é em si incorreta, independentemente da situação de comunicação em que
esteja inserida.
Erro absoluto
•
Um erro recorrente nos textos produzidos pelos alunos, por exemplo, é o
ortográfico, que, segundo as categorias estipuladas por Oliveira, seria de
caráter absoluto. Os anos de afastamento da escola e a falta de prática com a
escrita levam os alunos do EJA a cometer esse tipo de erro com uma grande
freqüência.
Sugestão para interferir nos erros
•
Como se trata de um problema típico desse público, uma das tarefas que
propomos é a autocorreção dos erros ortográficos cometidos a partir do uso do
dicionário. Para facilitar o trabalho, o professor poderia destacar nas
redações dos alunos as palavras que apresentem esse tipo de problema e pedir
uma reescritura do texto em que sejam feitas as devidas correções. Outra
possibilidade de trabalho seria selecionar nas redações dos alunos erros
ortográficos que possam ser corrigidos a partir de uma regra geral. Por
exemplo, é comum encontrar nos textos dos alunos formas como responssabilidade”
e “canssado”. O professor poderá, a partir delas, demonstrar que na ortografia
do português o dígrafo “ss”, que representa o som do fonema /s/, não pode ser
empregado depois de “n” (som nasal), sendo, pois, incorretas as grafias
citadas.
Sugestão para interferir nos erros
Outro erro absoluto comum, cuja ocorrência é
especialmente freqüente no gênero relato pessoal, é a mistura dos discursos
direto e indireto. Muitas vezes, os alunos, ao introduzirem vozes de outras
pessoas em seus textos, recorrem ao uso do discurso indireto. No entanto,
percebe-se que, principalmente quando narram situações em que há alternância de
interlocutores, é comum que passem do discurso indireto para o direto, sem
utilizar qualquer tipo de recurso que faça a coesão entre as duas formas.
Também é corriqueiro o uso do discurso direto sem qualquer marca de pontuação.
Uma das sugestões que oferecemos para interferir nesse problema seria destacar
fragmentos de redações de alunos (preservando suas respectivas identidades), em
que ocorra esse tipo de erro. A partir delas, poder-se-ia fazer um trabalho
comparativo. Por meio de slides ou retroprojeção, o professor poderia mostrar
aos alunos textos em que o uso dos discursos direto e indireto esteja
corretamente empregado e pontuado e, posteriormente, textos dentre os
produzidos pelos alunos, em que haja erros nesse sentido. A partir da
comparação, o professor poderia instigar os alunos a sugerirem maneiras de
corrigir os textos que apresentem problemas.
•
Como exemplo de erro relativo, podemos mencionar a repetição excessiva
de sintagmas nominais. Embora seja muito freqüente e aceitável na fala, podendo
funcionar também como recurso no texto literário, a repetição exagerada de um
sintagma pode ser considerada um problema de coesão dentro do gênero relato
pessoal.
•
Como sugestão de trabalho, indicamos, primeiramente, a leitura em voz
alta de um texto que apresente esse problema para que os alunos consigam
perceber por si próprios as implicações desse tipo de erro. A partir disso, o
professor poderá demonstrar recursos de que a língua dispõe para a eliminação
do problema, tais como o uso do pronome ou de sinônimos em substituição o termo
que fora exaustivamente repetido. Uma vez apreendidos esses recursos, o
professor poderá pedir um trabalho de reescritura em que o aluno encontre
maneiras de evitar as repetições desnecessárias em seu texto.
Motivar o aluno a produzir
•
Em nosso trabalho em sala de aula, uma estratégia que se mostrou muito
eficiente para o estímulo da produção escrita foi deixar recados para os alunos
após as correções, parabenizando-os pelos acertos, motivando-os para a correção
dos problemas e demonstrando envolvimento com o texto que por eles foi
desenvolvido. No gênero relato pessoal, os alunos expõem muitas vezes aspectos
bem íntimos de suas vidas, tais como traumas vividos, experiências marcantes e
metas de vida.
•
Seguindo os ensinamentos de Paulo Freire, acreditamos que, por mínimo
que possa parecer, redigir algumas palavras de carinho ao final das correções é
um dos passos que se pode dar a fim de ultrapassar a mera “repetição mecânica
do gesto” na prática docente.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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verbal.
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<http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0274.pdf>.
Acesso em 13-
06-2010
FIORIN, José Luiz. O
dialogismo. In: ___. Introdução ao pensamento de
Bakhtin.
São Paulo: Ática, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia
da autonomia; Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 2004.
______. A
importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez,
2005.
______. Minha
primeira professora. Disponível em:
<http://veracruz.edu.br/assessoria/encontro/paulo_freire_profa.pdf>. Acesso
em: 31-07-2010.
MACHADO, Flora Prada.
Aluno do PEJ; quem é você, por onde você andou?
Dissertação de
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Disponível em:
<http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/889/1/tese.pdf>.
Acesso em 13-06-2010.
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In: DIONÍSIO, Angela
Paiva; MACHADO, Anna Rachel e BEZERRA,
Maria Auxiliadora. Gêneros
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2005.
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Fonseca de. Os gêneros da redação escolar e o compromisso
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padrão da língua. In: HENRIQUES, Cláudio C.
e SIMÕES, Darcilia. Língua
e cidadania; novas perspectivas para o ensino.
Rio de Janeiro:
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2696
Cadernos
do CNLF, Vol. XIV, Nº 4, t. 3
___. Como e quando
interferir no comportamento linguístico do aluno.
Disponível
em: <http://www.collconsultoria.com/artigo1.htm>.
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