quarta-feira, 11 de abril de 2012

PRODUÇÃO TEXTUAL A PARTIR DO RELATO PESSOAL


“EU TENHO TANTO A LHE FALAR, MAS COM PALAVRAS NÃO SEI DIZER”:
O TRABALHO COM PRODUÇÃO TEXTUAL NAS TURMAS DE EJA

Juliene Kely Zanardi
julienezanardi@yahoo.com.br

Trabalhar produção textual em turmas de Educação para Jovens e Adultos é um desafio para qualquer professor.
Diversos fatores contribuem para que os alunos tenham uma série de dificuldades na execução da tarefa, tais como:
Ø  a frustração por não saber como começar ou o que escrever,
Ø  a insegurança oriunda da falta de prática,
Ø   a dificuldade motora,
Ø   o cansaço causado pelo acúmulo de atividades fora e dentro da escola etc.
Gênero  discursivo relato pessoal, como sugestão de trabalho de produção textual .
      Para realizar tal tarefa, partiremos da nossa própria prática em sala de aula, tendo como embasamento teórico os pressupostos pedagógicos de Paulo Freire e os lingüísticos de Bakhtin.
Este artigo se dividi em três seções.
      Num primeiro momento, esclarece qual é conceito de gênero discursivo com o qual pode se trabalhar.
      Posteriormente, a justificativa sobre as razões que faz  eleger o gênero relato pessoal como proposta de trabalho.
      Por fim, apresentação de sugestões de como trabalhar com esse gênero em sala de aula.
Gêneros do discurso: algumas considerações
Segundo Bakhtin, a utilização da língua processa-se na forma de “enunciados (orais e escritos), concretos e únicos”. Esses enunciados se relacionam com as diversas esferas da atividade humana (jornalística, publicitária, jurídica, literária etc.), refletindo as condições específicas e as finalidades de cada uma delas, sendo composto por três elementos:
       conteúdo temático,
      estilo verbal (“seleção operada nos recursos da língua”)
      construção composicional.
Esses elementos são marcados pelas especificidades da esfera de comunicação a que o enunciado se relaciona.
Por que trabalhar com o gênero relato pessoal?
Bonai e Thiers (2006), a relação entre os alunos de turmas de EJA e a escrita é marcada por sentimentos antagônicos. Concomitantemente ao prazer e à satisfação de escrever, a produção textual gera nesses alunos “sentimentos de frustração e de impotência”, relacionados principalmente à falta de domínio das “regras gramaticais” e à “falta de idéias para a construção de um texto”. Ainda de acordo com as pesquisadoras, essas e outras dificuldades podem levar os alunos a um sentimento de aversão e afastamento frente a atividades que envolvam a escrita.
Paulo Freire (2004, p. 23), é um saber necessário à formação docente a compreensão de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Oliveira (2010), há diferentes níveis de formalidade nos usos oral e escrito da língua,  no português do Brasil: o ultraformal, o formal, o semiformal e o informal.
No ambiente escolar cabe a ênfase à língua-padrão. No entanto, o estudante não chega à escola dominando-a e o processo de aquisição desse tipo de registro é gradativo, sendo o próprio trabalho de produção textual uma ferramenta para tal.
Considerando isso e as dificuldades inerentes ao público do EJA, um bom trabalho de produção textual deveria partir de gêneros em que o nível de formalidade exigido é menor, como é o caso do gênero relato pessoal. Somente à medida que o aluno for se familiarizando com o registro padrão é que se deverá eleger gêneros discursivos que exijam um maior nível formalidade. Tendo posse desse conhecimento, o aluno se sentiria mais seguro no momento da produção textual e o sentimento de frustração e impotência constatado por Bonai e Thiers poderia ser diminuído.
A falta de idéias para a construção de um texto
Oliveira (2004, p. 190) defende que o problema esteja, na verdade, relacionado ao método didático adotado, o cerne do problema está no uso de temas descontextualizados, dado que em “situações reais de comunicação – oral ou escrita – as pessoas nunca padecem de falta de idéias”.
Quanto maior a correlação entre o tema proposto para a produção de um texto e o mundo real, mais facilidade o aluno terá para executar a tarefa. Nesse sentido, o gênero relato pessoal é um ótimo ponto de partida, visto que propicia ao aluno um espaço para escrever sobre suas próprias experiências. Além disso, é notória a necessidade que os alunos do EJA sentem de falar sobre si mesmos, suas vivências, aspirações, frustrações etc.
Por que não utilizar uma proposta de trabalho com a escrita que contemple essa necessidade real de comunicação dos alunos?
Paulo Freire (2004, p. 30), é importante que os educadores saibam aproveitar no processo de ensino-aprendizagem a experiência que os alunos constroem socialmente na prática comunitária.
Ao tratar do tema da alfabetização, por exemplo, o educador defende a criação de um programa que parta do “universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos” (FREIRE, 2005, p. 20).
Ao longo de toda a sua obra, Freire defende um processo de ensino que parta da experiência existencial dos alunos. Para ele, não há uma ruptura entre o saber nascido da pura experiência – “curiosidade ingênua” – e aquele que resulta de procedimentos metodicamente rigorosos – “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 2004, p. 31). Segundo Freire,  o movimento é de superação: à medida que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, “se criticiza”, torna-se curiosidade epistemológica.
Principal vantagem no uso do gênero relato pessoal
É o acesso que ele nos oferece ao universo dos alunos: seus anseios, alegrias, frustrações etc. A experiência com essa proposta demonstrou que, muitas vezes, os alunos elegem narrar episódios significativos de suas vidas, que se tornam uma importante ferramenta para que o professor conheça melhor o público discente e possa, assim, criar estratégias mais eficazes para que haja uma aprendizagem significativa.
Paulo Freire, afirma que “O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem. (FREIRE, 2004, p. 45)
Sugestões para o trabalho com o gênero relato pessoal
Fundamental iniciar o trabalho com a leitura de textos que se manifestem nesse gênero. Para um trabalho mais proveitoso, é aconselhável a leitura não de um, mas de vários textos dentro do gênero proposto.
A partir da leitura dos textos selecionados, propõe-se a criação de tarefas que visem a levar o aluno a perceber as características centrais do gênero, considerando aspectos como conteúdo, forma, propósito comunicativo, nível de formalidade lingüística etc.
Na prática em sala de aula, percebe-se que promover um espaço para a leitura oral e o debate dos textos mostrou-se uma importante ferramenta nesse sentido.
Considerando esse sentimento inicial de aversão à escrita por parte dos alunos e a própria recomendação dos PCNs em relação a um trabalho pautado nos gêneros orais e escritos, se crê que partir de tarefas que envolvam a oralidade seja um ótimo caminho para o trabalho com a produção textual no EJA.
Sugestões para o trabalho com o gênero relato pessoal
Fundamental iniciar o trabalho com a leitura de textos que se manifestem nesse gênero. Para um trabalho mais proveitoso, é aconselhável a leitura não de um, mas de vários textos dentro do gênero proposto.
A partir da leitura dos textos selecionados, propõe-se a criação de tarefas que visem a levar o aluno a perceber as características centrais do gênero, considerando aspectos como conteúdo, forma, propósito comunicativo, nível de formalidade lingüística etc.
Na prática em sala de aula, percebe-se que promover um espaço para a leitura oral e o debate dos textos mostrou-se uma importante ferramenta nesse sentido.
Considerando esse sentimento inicial de aversão à escrita por parte dos alunos e a própria recomendação dos PCNs em relação a um trabalho pautado nos gêneros orais e escritos, se crê que partir de tarefas que envolvam a oralidade seja um ótimo caminho para o trabalho com a produção textual no EJA.
A funcionalidade dos textos produzidos em sala de aula
Apesar de todo trabalho desenvolvido até essa etapa, a produção de textos escritos pelos alunos não é o ponto de chegada da nossa proposta. Ao contrário, ela dá início a uma nova etapa de trabalho, que cremos ser extremamente rica e profícua. Segundo nossa proposta, os textos produzidos pelos alunos devem funcionar como uma ferramenta para que o professor consiga detectar as principais dificuldades dos alunos no que tange ao uso da língua escrita e possa trabalhar em cima delas.
Como e quando interferir no comportamento lingüístico do aluno
Segundo Oliveira (2010), há duas categorias principais de erro: uma de caráter relativo e a outra de caráter absoluto.
 No primeiro caso, o erro não decorre de um problema intrínseco da palavra ou seqüência de palavras empregada, mas sim de uma inadequação em relação à situação em que tenha sido utilizada.
No segundo caso, a palavra ou seqüência de palavras é em si incorreta, independentemente da situação de comunicação em que esteja inserida.
Erro absoluto
      Um erro recorrente nos textos produzidos pelos alunos, por exemplo, é o ortográfico, que, segundo as categorias estipuladas por Oliveira, seria de caráter absoluto. Os anos de afastamento da escola e a falta de prática com a escrita levam os alunos do EJA a cometer esse tipo de erro com uma grande freqüência.
Sugestão para interferir nos erros
      Como se trata de um problema típico desse público, uma das tarefas que propomos é a autocorreção dos erros ortográficos cometidos a partir do uso do dicionário. Para facilitar o trabalho, o professor poderia destacar nas redações dos alunos as palavras que apresentem esse tipo de problema e pedir uma reescritura do texto em que sejam feitas as devidas correções. Outra possibilidade de trabalho seria selecionar nas redações dos alunos erros ortográficos que possam ser corrigidos a partir de uma regra geral. Por exemplo, é comum encontrar nos textos dos alunos formas como responssabilidade” e “canssado”. O professor poderá, a partir delas, demonstrar que na ortografia do português o dígrafo “ss”, que representa o som do fonema /s/, não pode ser empregado depois de “n” (som nasal), sendo, pois, incorretas as grafias citadas.
Sugestão para interferir nos erros
Outro erro absoluto comum, cuja ocorrência é especialmente freqüente no gênero relato pessoal, é a mistura dos discursos direto e indireto. Muitas vezes, os alunos, ao introduzirem vozes de outras pessoas em seus textos, recorrem ao uso do discurso indireto. No entanto, percebe-se que, principalmente quando narram situações em que há alternância de interlocutores, é comum que passem do discurso indireto para o direto, sem utilizar qualquer tipo de recurso que faça a coesão entre as duas formas. Também é corriqueiro o uso do discurso direto sem qualquer marca de pontuação. Uma das sugestões que oferecemos para interferir nesse problema seria destacar fragmentos de redações de alunos (preservando suas respectivas identidades), em que ocorra esse tipo de erro. A partir delas, poder-se-ia fazer um trabalho comparativo. Por meio de slides ou retroprojeção, o professor poderia mostrar aos alunos textos em que o uso dos discursos direto e indireto esteja corretamente empregado e pontuado e, posteriormente, textos dentre os produzidos pelos alunos, em que haja erros nesse sentido. A partir da comparação, o professor poderia instigar os alunos a sugerirem maneiras de corrigir os textos que apresentem problemas.
      Como exemplo de erro relativo, podemos mencionar a repetição excessiva de sintagmas nominais. Embora seja muito freqüente e aceitável na fala, podendo funcionar também como recurso no texto literário, a repetição exagerada de um sintagma pode ser considerada um problema de coesão dentro do gênero relato pessoal.
      Como sugestão de trabalho, indicamos, primeiramente, a leitura em voz alta de um texto que apresente esse problema para que os alunos consigam perceber por si próprios as implicações desse tipo de erro. A partir disso, o professor poderá demonstrar recursos de que a língua dispõe para a eliminação do problema, tais como o uso do pronome ou de sinônimos em substituição o termo que fora exaustivamente repetido. Uma vez apreendidos esses recursos, o professor poderá pedir um trabalho de reescritura em que o aluno encontre maneiras de evitar as repetições desnecessárias em seu texto.
Motivar o aluno a produzir
      Em nosso trabalho em sala de aula, uma estratégia que se mostrou muito eficiente para o estímulo da produção escrita foi deixar recados para os alunos após as correções, parabenizando-os pelos acertos, motivando-os para a correção dos problemas e demonstrando envolvimento com o texto que por eles foi desenvolvido. No gênero relato pessoal, os alunos expõem muitas vezes aspectos bem íntimos de suas vidas, tais como traumas vividos, experiências marcantes e metas de vida.
      Seguindo os ensinamentos de Paulo Freire, acreditamos que, por mínimo que possa parecer, redigir algumas palavras de carinho ao final das correções é um dos passos que se pode dar a fim de ultrapassar a mera “repetição mecânica do gesto” na prática docente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAHKTIN, Mikail. Os gêneros do discurso. In: ___. Estética da criação
verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BONAI, Zilmara; THIERS, Valéria de O. Fatores psicológicos na produção
textual em alunos de educação de jovens e adultos. Disponível em:
<http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0274.pdf>. Acesso em 13-
06-2010
FIORIN, José Luiz. O dialogismo. In: ___. Introdução ao pensamento de
Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia; Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 2005.
______. Minha primeira professora. Disponível em:
<http://veracruz.edu.br/assessoria/encontro/paulo_freire_profa.pdf>. Acesso
em: 31-07-2010.
MACHADO, Flora Prada. Aluno do PEJ; quem é você, por onde você andou?
Dissertação de Mestrado do Departamento de Educação da PUC-Rio.
Disponível em:
<http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/889/1/tese.pdf>.
Acesso em 13-06-2010.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.
In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel e BEZERRA,
Maria Auxiliadora. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,
2005.
OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Os gêneros da redação escolar e o compromisso
com a variedade padrão da língua. In: HENRIQUES, Cláudio C.
e SIMÕES, Darcilia. Língua e cidadania; novas perspectivas para o ensino.
Rio de Janeiro: Europa, 2004.
2696
Cadernos do CNLF, Vol. XIV, Nº 4, t. 3
___. Como e quando interferir no comportamento linguístico do aluno.
Disponível em: <http://www.collconsultoria.com/artigo1.htm>.

2 comentários:

  1. Caramba! Fui fazer uma pesquisa de outra coisa e vi aqui nos resultados do google o link para o seu blog. Fico muito feliz de ver que meu artigo está sendo compartilhado (sinal de que é útil e esse era o objetivo. ^^). Bom trabalho!

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